segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

POESIA CONCRETA PERDE UM DE SEUS PRECURSORES NO BRASIL

Poeta Décio Pignatari morre aos 85 em São Paulo


O poeta Décio Pignatari, durante lançamento em São Paulo do livro infantil para adultos "Bili com Limão Verde na Mão", em 2009; o poeta morreu neste domingo (2/12). Mastrangelo Reino - 06.mai.2009/Folhapress
 SÃO PAULO* –  O poeta, ensaísta e tradutor Décio Pignatari morreu na manhã deste domingo (2/12), aos 85 anos, em São Paulo. Internado no Hospital Universitário da USP desde a sexta (30), ele teve insuficiência respiratória e pneumonia aspirativa (infecção pulmonar).
Pignatari foi um dos principais nomes da poesia concreta, ao lado dos irmãos Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos, 81 --com quem editou a revista "Noigandres", no anos 1950. Também com os irmãos Campos publicou "Teoria da Poesia Concreta", em 1965, "Mallarmagem", em 1971, e "Ezra Pound - Poesia", em 1983, entre outros.

Nascido em Jundiaí, em 1927, Pignatari publicou seus primeiros poemas em 1949 na "Revista Brasileira de Poesia". Em 1950, lança seu primeiro livro de poemas, "Carrossel". Formou-se em direito pela USP, em 1953, e, três anos depois, lançou o movimento da poesia concreta com o grupo Noigandres, a partir da revista publicada em 1952. Em 1956, o grupo publica "Plano-Piloto para a Poesia Concreta". Lançou "Poesia Pois É Poesia" em 1977. Foi colunista da Folha entre 1983 e 1987.
Em 2004, lançou "Céu de Lona", peça tetral sobre mudanças na vida e na obra de Machado de Assis --guiada pelo casamento do escritor, mas exibindo a ruptura que transformou o romântico de "Iaiá Garcia" no ácido romancista de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Em 2009, foi a vez de "Bili com Limão Verde na Mão", descrito como um livro para todas as idades. Há cerca de um ano, havia voltado a morar em São Paulo, após ter passado pouco mais de dez anos em Curitiba (PR).
Também teórico da comunicação, Pignatari ajudou a fundar a Associação Brasileira de Semiótica, nos anos 1970. Autor de "Informação, Linguagem e Comunicação" (1968), traduziu obras de Marshall McLuhan, como "Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem".
"A importância dele não pode ser subestimada. Era uma das inteligências mais incisivas que este país já teve", disse Frederico Barbosa, 51, poeta e diretor da Casa das Rosas.
De acordo com Barbosa, a família não vai fazer velório e o enterro será nesta segunda (3), ao meio-dia, no cemitério do Morumbi. Pignatari deixa três filhos e netos.
Em entrevista à Folha em 2007, quando completou 80 anos, Pignatari sintetizou sua trajetória numa de suas caras palavras-valise: "oitentação". Sobre o rompimento com o poeta Ferreira Gullar, que encabeçou o movimento neoconcreto e rompeu com o concretismo, disse que não guardava rancor pessoal. "Nós fomos inimigos íntimos, o Gullar e eu. Mas eu não briguei com ele pessoalmente. Eu brigo e depois dou risada, não quero saber de guardar rancor pessoal."
"Era uma pessoa muito talentosa e inteligente e também atuava na área do design. Deu uma boa contribuição tanto na poesia concreta, tanto no design", disse Gullar sobre Pignatari.

REPERCUSSÃO
Para o poeta Heitor Ferraz, Pignatari "foi um dos marcos do concretismo brasileiro, que influenciou uma geração. Foi revelador das possibilidades da poesia."
"Sempre achei que ele tinha as poesias mais contundentes do concretismo. Ele já era um bom poeta antes mesmo do concretismo. Da minha experiência mais pessoal, sempre foi muito colaborativo, era piadista, agradável, contava histórias aos alunos", declarou o crítico Alcir Pécora.
"Pignatari era, na composição da tríade dos concretistas, o que tinha a verve mais pop, satírica. entre dois cartesianos, ele era uma espécie de equilíbrio. talvez o mais humano deles, o mais econômico, o menos ortodoxo", diz o escritor Joca Reiners Terron.
"Foi um artista admirável tanto pela combatividade quanto por sua inventividade. Fará muita falta", diz o artista plástico e poeta Nuno Ramos.
"Fala-se de tantos, quando somos tão poucos. Com a morte de Décio, diminui o número da qualidade entre nós. Ocioso lembrar seu livro de poemas 'Poesia Pois É Poesia', sua contribuição à teoria da comunicação, 'Informação, Linguagem e Comunicação', ultimamente sua participação no teatro, 'Céu de Lona'. Que esperar agora se não que o leitor saiba continuar a apreciá-lo?", diz o professor e crítico de literatura Luiz Costa Lima.
"Acabei de apresentar em Assis uma conferência em grande parte ligada a um texto do Décio de 51 anos atrás, 'A Situação Atual da Poesia Brasileira', em que eu destaquei sua importância na reformulação da poesia brasileira. Apesar das discordâncias, que expressei diretamente quando a ele quando estava vivo, eu gostava dele, ele era espontâneo, briguento e 'italianamente' polêmico", afirmou o poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
"Tenho várias cartas dele, em uma delas, ele analisa meu poema 'Outubro', que começava dizendo 'outubro ou nada'. Infelizmente, as ilusões das gerações vanguardista e revolucionária da qual fizemos parte deram em nada", conclui Sant'Anna.

ENTREVISTA DE DÉCIO PIGNATARI À FOLHA
"No Brasil, foge-se como o diabo da cruz dos juízos de valor", disse Pignatari
DE SÃO PAULO
Em 2007, quando fez 80 anos, o poeta Décio Pignatari falou à Folha sobre concretismo, desentendimentos com Ferreira Gullar, sua temporada na Europa nos anos 50, a experiência com o teatro e o estudo da literatura na academia.
"No Brasil, você sempre caminha para uma coisa que é muito pobre. Faz-se literatura comparada, mas se foge como o diabo da cruz dos juízos de valor. Aí, vem um Harold Bloom [crítico literário norte-americano] e espanta todo mundo porque ele fala mesmo "é bom" e "eu gosto". E é preciso, senão como é que você vai orientar os mais novos?", questionou.
Leia a entrevista abaixo.

Oitentação
Prestes a completar 80 anos, Décio Pignatari não quer celebrar data nem cinqüentenário da poesia concreta; ele diz que não guarda rancor do inimigo íntimo Ferreira Gullar, critica a arquitetura e vê vanguardismo na moda

EDUARDO SIMÕES
NOEMI JAFFE
ENVIADOS ESPECIAIS A CURITIBA
No dia 20 deste mês, o poeta, dramaturgo, crítico, tradutor e professor Décio Pignatari chega aos 80 anos, firme no propósito de fugir de homenagens à efeméride pessoal. E também às profissionais. Convidado para participar de uma exposição sobre os 50 anos da poesia concreta, que será aberta dia 15, no Instituto Tomie Ohtake, Pignatari já avisou que não vai. Mas está colaborando com o evento para o qual realizou uma série de gravações de seus poemas.
O concretista pretendia passar o aniversário na Cidade do México, ao lado do segundo neto, Rafael, que faz um ano no dia 19. Como não conseguiu tirar o visto a tempo, ficará em Curitiba, onde vive desde 1999. "Vou passar aqui tomando um champanhe português, na tranqüila solidão, olhando o 'big brother' Niemeyer", diz, referindo-se ao "olho" do Museu Oscar Niemeyer, próximo de onde mora.
No Paraná desde que se aposentou da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Pignatari dá aulas no mestrado em Comunicação e Linguagem da Universidade Tuiuti.
Avesso a rememorações e entrevistas, o poeta abriu uma generosa exceção e conversou por mais de três horas com a Folha. Relembrou o rompimento político e estético com os neoconcretos, movimento encabeçado pelo poeta Ferreia Gullar. Falou sobre a segunda parte de sua trilogia feita para o teatro, iniciada com "Céu de Lona" (2004), concluída há pouco mais de um mês na Itália. Explicou ainda como será o livro que reunirá sua correspondência com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos (1929-2003), com quem fundou a poesia concreta no Brasil.
E mais: o poeta dos textos verbais, visuais e sonoros diz que, no Brasil, a única vanguarda que houve nos últimos tempos foi a silente moda: "Ela me espantou. É realmente uma linguagem de vanguarda". Por fim, Pignatari sintetizou seus 80 anos numa de suas caras palavras-valise: "oitentação".
FOLHA - O senhor e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos serão homenageados a partir do dia 15 de agosto com uma exposição no Instituto Tomie Ohtake sobre a poesia concreta. Pretende vir a São Paulo?
DÉCIO PIGNATARI - Eu não vou. Já avisei ao [curador] Walter Silveira. Eu não sou contra. Falo apenas: "Vocês usem o material, façam, podem fotografar. Não gosto muito de homenagens e não participo. Recentemente, por acaso, fizeram uma homenagem a mim da qual eu gostei, aqui na Universidade Tuiuti do Paraná, onde eu estou já há oito anos. Eu revi toda a minha gente, alunos ou colegas, de São Paulo e Rio. Fizeram uma homenagem visual que me agradou. Primeiro, porque os dois [organizadores] tinham sido alunos meus. Os melhores alunos que tive, não só aqui, mas em toda pós-graduação nos últimos 30 e tantos anos. Mas não quero saber de comemoração.
A ideia de reconhecimento não interessa ao senhor? Não se incomoda, por exemplo, com o fato de Ferreira Gullar, que assinou em 1959 o "Manifesto Neoconcreto", ser mais aceito pela academia e pela crítica geral como um grande poeta brasileiro, ao passo que a poesia concreta não tem o mesmo espaço?
Não me incomodo. É algo natural. O signo novo é sempre minoritário.
Mas até hoje?
Sim, porque ele [Gullar] fez de tudo, ele ingressou no Partidão [comunista]. Inicialmente até chegamos a trabalhar juntos. Mas, posteriormente, acho que o Gullar repensou: "Eu tenho condições de ser o dom Pablito Neruda do Brasil". Então ele entrou para o Partidão, porque, para você fazer carreira, o Partidão era ótimo, tinha meios de promover. Falando aquela linguagem social e politicamente correta, você tinha muito mais chance.

Décio Pignatari: Kierkegaard em Dogville
DE SÃO PAULO
O poeta e ensaísta Décio Pignatari escreveu sobre os dez anos do movimento cinematográfico Dogma para o caderno "Mais", na Folha de 24 de abril de 2005.
No texto, trata da influência da teologia existencialista do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard sobre o grupo --de onde emergiram nomes como Lars von Trier e Thomas Vinterberg.

Kierkegaard em Dogville
DÉCIO PIGNATARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há um pequeno mistério ético-ideológico envolvendo o grupo dinamarquês Dogma, especialmente o diretor Lars von Trier, e mais particularmente o filme "Dogville", pois não é comum que artistas talentosos de uma arte industrial voltada para o mercado sejam tão claramente marcados por um vinco ético-filosófico.
A crítica de cinema, embora bem informada, ainda não atinou com esse viés e toma um filme como "Dogville" pelo seu valor de face, ideologicamente falando --ou seja, como uma crítica social ao "império americano", inserindo-se, ao mesmo tempo, ainda que indiretamente, no sistema europeu de resistência à hegemonia cinematográfica ianque.
O Dogma dinamarquês, hoje em fase de desfazimento consentido, entremostra vários pontos de contato com a "nouvelle vague" francesa, tanto pela economia de meios, compensada pela inventividade da signagem cinematográfica, como pela postura ideologizante européia, traço que tenderia a acentuar-se em Godard, o que não parece e aparece de modo claramente discernível na grande produção italiana das três décadas que se seguiram ao pós-guerra.
Godard, Antonioni
Ambas as tendências parecem dizer-se adeus, uma à outra e a si mesmas, tomando o amor como tema, texto e pretexto, no início do novo século, com "Elogio ao Amor" (Godard) e "Além das Nuvens" (Antonioni/Wenders) -o primeiro, já envelhecidamente, a verbalizar o amor da película e a película do amor, com piadas curiosas sobre os EUA, enquanto Antonioni, em belas imagens e elipses narrativas, monta uma nostálgica metafísica erótica para a murmurante cerimônia de adeus dos corpos. 

*Textos e Imagens da Folha de S. Paulo/adaptações FN Café NEWS

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